2007-01-26

Duas razões para o voto Sim

Há basicamente duas razões para se despenalizar o aborto.


A primeira razão é que temos que reconhecer o direito ao planeamento familiar, isto é, ao controle dos nascimentos. Independentemente de gostarmos ou não desse direito, ele é exigido por grande parte das pessoas - e, se as pessoas EXIGEM ter esse direito, numa sociedade democrática, ele tem que ser concedido. As pessoas querem controlar a sua fertilidade, querem ter filhos quando lhes convém e só aqueles que lhes convém.


Ora, o aborto é uma NECESSIDADE para um planeamento familiar eficaz, porque todos os métodos contraceptivos falham. Falhas técnicas ou falhas humanas, não importa: o que é certo é que falham. As pessoas não admitem, não podem admitir, que o seu planeamento familiar vá por água abaixo devido a uma falha - porque a mulher se esqueceu de tomar a pílula um só dia, porque o preservativo se rompeu, porque a mulher teve uma diarreia depois de ter tomado a pílula, etc.


A contracepção e a educação sexual NÃO SÃO substitutos do aborto. Mesmo em sociedades muito evoluídas e civilizadas, como a holandesa ou a alemã ou a sueca, nas quais as pessoas têm muita educação sexual e praticam generalizadamente a contracepção, continua a haver imensas gravidezes indesejadas. Portanto, a possibilidade de abortar é sempre necessária, como solução de último recurso. É espúrio pensar que, mediante uma intensificação da educação sexual, o aborto se tornará desnecessário. Isso nunca se verificou em nenhuma sociedade.


A segunda razão é que não há nenhuma razão clara, numa perspectiva liberal, que é a minha, para que o aborto seja um crime.


Há duas razões para os crimes que são reconhecidos no código penal de uma sociedade. Uma razão, a mais frequente, é preservar o bom funcionamento da sociedade. É por isso que, em geral em todas as sociedades, o homicídio ou o roubo são considerados crimes. Outra razão, muito menos frequente, é um simples código moral, a preservação de certos costumes da sociedade. É por isso que, em certos países, é proibido servir carne de cão nos restaurantes, ou é proibido vender casacos feitos com pele de gato, ou é proibido tourear touros, ou é proibido abortar. No caso destas leis, não há qualquer prejuízo social óbvio na sua eliminação - a sociedade não entra no caos e na insegurança se as pessoas comerem carne de cão, usarem peles de gato, fizerem touradas, ou abortarem. Trata-se apenas de codificar como crimes certas práticas que a grande maioria das pessoas na sociedade considera moralmente repugnantes.


Esta segunda razão é muito frágil, pois que se apoia apenas no julgamento moral da maioria. Numa sociedade liberal, as maiorias devem ser postas em causa. Através da imigração ou da evolução social, as mentalidades mudam e os julgamentos morais também. Proibir coisas apenas porque uma maioria das pessoas as considera moralmente repugnantes é, em geral, uma atitude pouco liberal. As minorias têm o direito de ter as suas práticas e os seus gostos, e de agir de acordo com eles. Mesmo numa sociedade em que a maioria das pessoas considera repugnante fazer sofrer os animais, haverá pessoas que gostarão de fazer touradas ou de assistir a lutas de cães - e essas pessoas têm o direito de fazer isso. O facto de serem uma minoria não lhes retira o direito.

No caso do aborto, a questão é ainda mais dramática, uma vez que não há na nossa sociedade uma maioria expressiva de pessoas que o condene. Como se vê pelas estatísticas da sua prática, e pela generalizada cumplicidade existente - quase todas as mulheres ou já praticaram aborto, ou conhecem e ajudaram activamente quem já o tenha praticado - não há na nossa sociedade uma rejeição moral maioritária do aborto. As pessoas não falam do assunto - mas, se forem confrontadas com ele, não o acusam, nem estigmatizam a mulher que abortou. Há compreensão pelo fenómeno. Nestas condições, manter uma lei que condena o aborto apenas por motivos morais, não faz qualquer sentido.

Luís Lavoura